quarta-feira, maio 31, 2006

das vezes em que fui TUDO

quando morrer estarei fazendo loopings
no universo que é uma bola gigante e felpuda.
um círculo fofo e rude - era assim que me sentia
nos tempos em que inalava thinner em meias de futebol
paralisado, satisfeito e inquieto.
não conseguia mover um pensamento
e por mais que tentava permanecia
fixado, obcecado, fazendo parte de tudo,
sendo um círculo fofo e rude.

sábado, maio 27, 2006

calmaria

como um rasante de pompa
o tempo me assusta e deixa a dúvida
se realmente coisas nojentas foram
depositadas sobre nossas cabeças
partículas de poluição, pulgas,
excrementos ou pensamentos
-tanto faz-
das pessoas que nos julgam
que nos ferem com olhos sangrentos
ou daquelas que mal levantam o olhar,
que mal percebem o tempo urgir
e não ligam se um rato de asas
voar baixo e borrifar toda a minha piedade
por sobre seus fios de cabelo ensebados

nesta tarde de sábado, meu coração se torna
uma lagoa rodeada de garças tranqüilas
e cheia de peixes gordos que não deixam
mais se levar por qualquer correnteza.
peixes fortes que suportaram a tempestade
e agora dormem o sono eterno mergulhados
nas doces lágrimas que encheram esta
profunda cratera cavada durante milênios
enquanto cozinhávamos um para o outro.

terça-feira, maio 23, 2006

turbilhão

têm horas em que tudo inflama
ansiosidade, angustia
ciúmes, inveja, cobiça
toda a mesquinhez
que nos afasta dos deuses
e nos torna humanos.

atiramos para todos os lados
pois há sempre aqueles projéteis
que atingem em sincronia
nossos olhos, umbigos e corações
que fazem escorrer toda a serenidade
que haveria de nos tornar
uma coisa só
eterna.

não
eu não posso alcançar o fim da linha
porque o objetivo está sempre
um passo além
firme, cagando
e andando.

seja como for
me sinto suspenso
o estômago do avesso
querendo sair pra agarrar sua língua
e assim poder te digerir, te deglutir
saliva
suor
muco
lágrimas
seu hálito
são o meu remédio para a dor no estômago,
a falta de ar e o aperto no peito.

eu tenho tempo
eu posso esperar
eu quero esperar
aqui, sentado
ou aí, deitado
e sei que seremos assim
serenos, quentes e melancólicos
para todo o sempre.

segunda-feira, maio 08, 2006

o sabiá que não soube assobiar

Kris Kristofferson nas caixinhas de som
"For The Good Times" - nesta faixa o disco pula
os bons tempos também tem seus riscos
então penso que - se o papel
higiênico pode
muitas vezes machucar
por que não suas unhas
de esmaltes descascados
como um fio terra
ou um simples tocar de cílios
tudo - tudo
está me rabiscando

lembro das risadas
e nossas grandes barrigas doendo
tamanha eram as exaltações
nossas púbis se amaciando
e a almofada que é
sua xoxota
o melhor travesseiro
o melhor cheiro
o melhor dos sonos.

tenho dedos finos
e compridos
tentáculos que ferem
rígidos em sua carne tenra
branca e perfumada
meus olhos são maiores que nossas bocas
quis isso tudo de uma vez
sem mastigar, numa abocanhada
como aquelas bebidas fortes que aquecem
numa talagada só

você no banho sem me ver
foi a última visão
melancólica
estimulante
um vidro nos separava
à prova de balas
e do amor
que
em fuga
aproveitou pra deixar
um curto pavio
aceso

os bons tempos
velhos tempos
brincam como
jovens coelgiais
em roda à minha volta
com seus pêlos nunca aparados
sorrindo e
sabendo
que tudo
ao menor instante
torna-se poeira

sexta-feira, maio 05, 2006

conselho

nunca estude as faces
das pessoas se o estômago
estiver vazio

é necessário certo amortecimento no abdômem

as rugas, as manchas nos olhos,
espinhas e furos no queixo
causam uma pressão forte
regurgitante

no ônibus telvez seja pior
há o treme-treme do colosso
lotado de faces repetidas
cada qual com sua marca

mas ao descer do coletivo
elas já me escapam à mente -
perdão, poeta -
"como laranjas caídas da mesa
e rolando para longe"

então, certo alívio
até eu levantar a cabeça
e o enjoo novamente me envolver
com certo requinte
e sem massagem.